terça-feira, 8 de setembro de 2009

Pica Airlines

A CP e a REFER estão a desenvolver estudos para expandir a sua actividade, estendendo-a ao mercado de transportes aéreos, o que deverá ocorrer já em meados deste ano.
Pelo que foi divulgado é já certo que a "Pica Airlines" - assim se chamará - será uma companhia a todos os títulos inovadora, plena de conceitos originais como é, de resto, apanágio destas empresas.
Assim, e para começar, o próprio conceito da empresa é original. Fonte da CP que preferiu manter o anonimato informou-nos que esta será uma "Profit, but non profit company". As empresas com fito de lucro mas não lucrativas serão uma nova figura - descrita por não hipócrita - e inspirada nas antigas empresas públicas portuguesas.
Mas as novidades não se ficam por aqui. A "Pica Airlines" terá, logo de início, carreiras regulares para o Turquemenistão, para 30 destinos na Mongólia e mais uma imensidão de outros destinos igualmente atractivos.
Também ao nível dos custos haverá novidades. Todos os funcionários da CP, da Refer, os futuros funcionários da "Pica" e funcionários públicos em geral, bem como os seus familiares até ao 7.º grau, poderão viajar gratuitamente para qualquer destino. Inaugura-se, assim, o conceito das "no cost airlines".
Os restantes 386 portugueses e os estrangeiros terão de suportar um preço absurdamente elevado para o nível do serviço, na linha do que já vem sendo praticado pelas empresas mãe. É mais um conceito novo, o do "High cost but no quality airlines".
Apostando na rapidez do embarque, os passageiros poderão entrar no avião sem exibir o bilhete e os documentos, que lhe serão depois pedidos, em plena viagem, por um "pica". Estes funcionários - que substituirão as hospedeiras e os comissários de bordo - estão já a ser seleccionados de entre homens com mais de 50 anos, com hálito a vinho, má disposição permanente e capacidade de transpirar por completo uma camisa azul, mesmo no pico do inverno.
Os aviões escolhidos - 30 Boeing 707 descobertos num sucateiro da Arrentela onde estão desde 1978 "muito bem conservados" - estão já a ser adaptados para poderem levar um bar entre a turística e a executiva, onde se poderão beber umas cervejas e comer umas sandes que serão vendidas embrulhadas em papel celofane.
As carreiras da "Pica" partirão dos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro e terão escala obrigatória num mega aeroporto que está já a ser construído no Entroncamento, com pistas em todas as direcções.
Terão ainda paragem em todos os aeroportos e aeródromos. Para reduzir o risco de acidentes, os aviões da "Pica" aterrarão de emergência sempre que um outro avião circule num raio de 100 quilómetros e só retomarão a marcha depois de aquele ter passado.
Para o futuro está já a ser estudada, por uma comissão formada por ex ministros e secretários de estado, a possibilidade de rentabilizar os voos com a criação de carreiras eléctricas. Cabe a esta comissão decidir sobre a forma de estender os cabos eléctricos no céu.
O voo inaugural está previsto para 8 de Julho de 2007 e deverá ligar Lisboa a Faro em apenas 8 horas.

Prazeres solitários

Cansado de amores não retribuídos, da rotina e da calma do dia a dia, o Filinto decidiu partir à aventura!
Mas não podia ser uma aventura qualquer... Precisava de um lugar rude..., agreste..., que o colocasse em contacto com o risco, ... que o fizesse temer pela vida! Um lugar inóspito, distante e exótico q.b., onde um homem se sentisse Homem, como sentiam os cowboys do velho oeste antes de inventarem a mania de rebentar com a parte traseira uns dos outros no costume que ficaria conhecido por "Brokeback Mountain" .
Precisava de algo digno da emoção a que um técnico de contas - como ele - está habituado!
Finalmente decidiu-se!
Marcou uma consulta no centro de dia da Arrentela. O Dr. Manteiga, médico de família, com quem o Filinto bebe uns copos na adega do Ti Custódio duas vezes por mês, deu-lhe um mês de baixa por "depressão, com instruções para sair de casa".
Há poucos dias tinham chegado os subsídios à plantação do milho e já havia dinheiro para gastar. O Filinto não semeava um grão desde que em 1995 abandonara a pacatez de Bogas de Cima e viera viver para a cidade, mas no INGA ninguém dera por nada e pagavam-lhe o subsídio na mesma. O destino estava traçado!
Telefonou a um amigo, íntimo do Antímio de Azevedo, para meter uma cunha que garantisse que o tempo estaria frio e chuvoso... rude, como ele queria!
Partiu a 3 de Março. Apanhou a camioneta do Barraqueiro em Arranhó e já só parou bem no meio da Amadora!O Filinto olhou à volta. Era mesmo isto que buscava!
Sentiu aquele friozinho na espinha que só encontrava paralelo num distante domingo de Setembro em que, embuído pela militância partidária, entrou no recinto da festa do avante - acompanhado de mais duzentos camaradas todos empunhando bandeiras vermelhas - gritando a plenos pulmões "Assim se vê a Força do PêCê", abrindo alas entre as hordes de drogados que todos os anos invadiam o recinto e os olhavam com um sorriso irónico de desdém.
A Amadora era outro mundo do qual o Filinto só conhecia o estádio do Estrela pela televisão. Foram dez dias maravilhosos em que o Filinto descobriu todos os segredos daquele edílico local, da Reboleira ao Bairro do Bosque.
Com os dias de baixa que lhe sobraram, acabou por ir fazer o circuito da Buraca.
Como é bom viajar!

(pulicado originalmente em 14 de Abril de 2007)

O Fánam!

Há algo de - vamos dizer - místico... neste nome. Não é qualquer Fernando que pode ter a alcunha de Fanam...
O Fanam, antes de o ser, tem de dar porrada nos colegas do berçário! Tem que ser o primeiro do jardim escola a ter uns ténis de marca. Tem de chefiar um grupo de 3, constituido por ele, um "Necas" e um "Cájó".
Depois, já Fanam, tem de jogar futebol de salão e saber distribuir sarrafada, ter uma 125, saber sacar cavalos e apalpar o rabo ás miúdas que passam.
O Fanam tem de estar preparado para a possibilidade de ter de ser celibatário. O nome pode arrastar o peso de afastar as mulheres. Quando se casam os Fanans soem fazê-lo com mulheres de nome Adélia, desde que a acunha seja Délita.
A Délita leva, pelo menos, três "latadas nas trombas" por dia.
Os Fanans divorciam-se cedo e não pagam as pensões de alimentos dos filhos "eu, dar dinheiro àquela cabra??? Foscasss!".
Quando são despedidos com direito a indemnização ou têm a sorte de ter um acidente de trabalho lá na fábrica, os Fanans usam o dinheiro para comprar uma CBR 600.
O Fanam desaparece habitualmente antes dos 40. Ninguém sabe o que lhe acontece, mas nunca ninguém ouviu falar do Doutor Fanam, do Engenheiro Fanam ou, pura e simplesmente, do Sr. Fanam.
Há quem diga que mudam de nome e se tornam Ministros...


(Publicado originalmente a 9 de Julho de 2007)

Silly Season

Não fosse a estranha conjugação de acontecimentos daquele dia e nunca teriam sido felizes.
Ele era doméstico. Ela caixeira viajante.
O que ele gostou da letra dela naquela nota de encomenda que esvoaçou de encontro a ele, num dia em que, contrariamente ao habitual, o catavento do vizinho Albertino estava virado de sul para norte.
Com as montanhas ali tão perto, parecia impossível que o vento soprasse nessa direcção. Mas naquele dia, e só naquele dia, soprou.
Ele não teve dúvidas. Havia qualquer coisa na forma como ela tomava nota dos sacos de linhas e nas agulhas encomendadas, que o fez apaixonar-se naquele preciso instante.
Não perdeu tempo. Tinha a certeza!
Por uma vez na vida ia ser impulsivo, verdadeiro e ia lutar sem barreiras pelo que queria.
Escreveu-lhe para o trabalho, aproveitando a morada que constava da nota de encomenda. Enviou-lhe a nota, depois de decalcada a papel químico. Não podia perder aquela recordação que era já o seu tesouro mais precioso, mas não queria que o seu amor perdesse as comissões da encomenda.
No dia seguinte, na volta do correio, chegava a resposta.
Também ela sentira qualquer coisa de muito poderoso na letra dele. Também ela sentiu, mesmo com a carta ainda fechada, que a sua vida ia mudar quando a abrisse.
Corresponderam-se a partir daí. Juras de amor eterno, constantes declarações…
Disseram um ao outro o que nunca tinham dito a ninguém. Estranha a química que os unia… Algo de tão forte que os fazia felizes mesmo sem nunca se verem…
Foram felizes, muito felizes durante os 50 anos em que se amaram por correspondência.
Fizeram planos para a vida em comum, para a casa que seria deles, para a família feliz que iam constituir – a mais feliz de todas…- e viram esses 50 anos passar a correr, com um sorriso permanentemente estampado nos seus rostos.
Guardaram-se um para o outro. Nunca amaram outra pessoa.
Quis o acaso do destino que se vissem pela primeira vez no lar. (Opto, conscientemente pela palavra vissem… que conhecer sempre se conheceram, mesmo antes do vento ter empurrado aquela nota de encomenda no encalço dele.)
Foi uma manhã de Agosto. Estavam envelhecidos pelos mais de 80 anos que cada um tinha, mas conservados pela felicidade com que viveram.
Olharam-se nos olhos, envolveram-se num abraço que pareceu durar uma eternidade. Não trocaram uma palavra. Subiram ao quarto, colocaram as dentaduras nos copos nas respectivas mesas de cabeceira. Deitaram-se na cama. Ela encostou a cabeça no peito dele. Ele acariciou-a longamente.
Adormeceram assim, com o sorriso de sempre, maior ainda, se tal fosse possível.
Eram a definição pura de felicidade.
Morreram nessa noite… felizes para sempre!


(publicado originalmente a 28 de Agosto de 2007)

Rotundas da razão!



Durante anos vivi intrigado com a proliferação de rotundas em Portugal: aparecem onde e quando menos se espera e na maior parte das vezes sem que, aparentemente, nada o justifique!
Parece um disparate…
Mas não, não é assim!
Através de fontes privilegiadas descobri o verdadeiro motivo por detrás desta corrida ás rotundas e agora tudo compreendo e tudo aceito.
A explicação é muito simples e perfeitamente lógica: Existe um clube secreto chamado “circulo de eleitores” do qual só podem ser sócios autarcas portugueses.
Qualquer autarca que o deseje poderá inscrever-se. A subscrição é gratuita sendo os custos do clube suportados de forma benemérita e completamente desinteressada por diversas empresas de construção.
São vários os concursos organizados pelo clube, como o do maior número de obras atribuídas sem concurso público, o da maior derrapagem numa obra pública, o da maior utilização de meios da autarquia em proveito pessoal – com prémio carreira atribuído a Ferreira Torres – a fraude do ano – ganho consecutivamente pela Fátima – e, lá está, o do maior número de rotundas.
Trata-se de uma prova por objectivos: À 5.ª rotunda o autarca ganha uma varinha mágica, ao fim de 10 uma torradeira, ao atingir a 15ª um aspirador e aqueles que conseguem chegar ás 25 ganham um magnífico conjunto de malas de viagem, 100 % poliéster!
Cada rotunda atribui ainda 5 cupões para o sorteio final de uma fantástica viagem em Auto-Pluma ás caves do vinho do Porto.
Na categoria “desperdício de dinheiros públicos” o autarca que tiver ordenado a construção da rotunda mais hilariante ganha ainda um fantástico galheteiro cromado!
Este ano o prémio foi atribuído por unanimidade ao Presidente da Câmara Municipal da Mealhada pela fantástica “rotunda do leitão” que consta da foto. Está tudo explicado e justificado...

Texto publicado originalmente em 9 de Novembro de 2006

Tempos Modernos (documento histórico de cariz intervencionista)

Thomas Malthus, maníaco inglês que vivia obcecado pelo crescimento da população, abateu a cegonha à pedrada em 23 de Dezembro de 1834.
A sua alegria por pensar que tinha conseguido resolver o problema do excesso de crescimento populacional foi tal que invadiu a faixa de rodagem vindo a ser atropelado por um cabriolé conduzido por Louis Braille, no preciso momento em que este ensaiava o seu sistema de leitura para cegos.
Auguste Comte, pai da sociologia, que vinha no lugar do morto, terá proferido então a sua célebre expressão: "Fosgasss".
De tal acidente viria a resultar a morte de Malthus que foi sepultado no mesmo dia da cegonha, numa campa de casal comprada na Companhia dos Caixões, o franshising de maior sucesso desde a Peste Negra.
Louis Braille escreveu uma notícia em Braille sobre o assunto, que ninguém percebeu.
Desde então que os bebés deixaram de vir de Paris, com consequências nefastas para a indústria daquela cidade e para os transportes Cegonha & Benjamim, L.da que viriam a abrir falência por dívidas ao fisco e à Segurança Social associadas a um escândalo envolvendo abonos de família...
Para evitar a extinção da raça humana, homens e mulheres uniram-se - literalmente - para se reproduzirem pelos seus próprios meios.
O sexo, até aí ignorado e apenas praticado em hospícios e na Boavista, passou a ser um mal necessário com inevitáveis consequências a nível de higiene e saúde pública.
Com sucessivos upgrades, novas versões e posições, com os anos, de mal passou a obsessão. (Não é o meu caso, que eu até nem ligo a isso...)
É dele que vêm quase todos os problemas da sociedade e não, não falo só de doenças venéreas!
A falta de sexo é potencialmente causadora de depressões, inchamentos,linchamentos, agressividade, má disposição, calosidades várias... enfim, coisas do piorzinho que há!
Tem consequências económicas importantíssimas como a diminuição de produtividade e fuga de capitais para o estrangeiro, nomeadamente para o Brasil.
O seu excesso causa exactamente o mesmo problema.
Há pois que encontrar um ponto de equilíbrio.
Assim:
Exige-se que o Governo intervenha regulando esta matéria, nomeadamente, estabelecendo limites mínimos e máximos de práticas mensais e penalizando aqueles que não os cumprem!
Só assim se poderá racionalizar e/ou racionar a prática, numa política tendente ao equilíbrio e à distribuição de "riquezas".
Exige-se, além do mais, que sejam instituídas acções de formação subsidiadas que aprofundem o tema, fomentando as práticas interpessoais de qualidade.
Poderão, até, ser criados locais apropriados para o efeito em que a prática seja assistida por enfermeiras dentro da linha do que se pretende fazer com as salas de chuto.
Tudo a bem da Nação!

(Publicado originalmente em 3 de Novembro de 2006)

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Cartas do Baú

"Minha Querida,
Mais um dia sem ti na nossa aldeia.
Sem a tua presença esta vida de stress é muito mais difícil de aguentar.
Hoje o dia foi outra vez terrível.
Logo ao sair de casa, o Gastão, o burro daquele asno do Ti Jorge, estava mais uma vez a trancar-me o carro. Foram precisos dez minutos a puxar pela albarda para o conseguir desviar.
Ainda por cima, pisei uma bosta do Gastão e tive de voltar a casa para limpar os sapatos.
Com este atraso todo já não consegui evitar a hora de ponta dos rebanhos e estive mais de 10 minutos parado a ver as cabras da Délita passar. que continuam a olhar para mim com aquele olhar libidinoso de sempre, apesar de já me terem visto de mão dada contigo.
A Délita insiste que eu sou a cara chapada do antigo pastor, que terá o mesmo ar pateta que tu tanto vês em mim.
A vida na nossa aldeia está difícil: à noite, chegam a passar dois ou três mochos seguidos a piar. Aquele Noitibó não larga a antena da televisão não me deixando ver a novela da noite e os morcegos insistem em devorar a minha criação de melgas.
O pior é a luz. Aquela ofuscante luz nocturna das estrelas, que torna inúteis os candeeiros tão bonitos que compraste para a rua.
E a vizinha da frente???
Tanto dinheiro gasto com o alarme e agora aquela abantesma não o deixa usar, dando conta de tudo e de todos os que se aproximam, a qualquer hora do dia ou da noite.
Não que alguém nos quisesse assaltar, mas nem o Ti Alfredo Hortênsio, que passa sempre depois da meia noite a cambalear vindo do tasco da Mari’ Joana, ela deixa cambalear para o lado da nossa parede…
Meu amor, temos de pensar na nossa vida.
Começo a pensar que talvez prefira a calma da capital. Sei que temos o sonho de ter a nossa horta, semear batatas, plantar repolhos e couve naba…Mas… bem sabes que também podíamos fazer horta nas barreiras da CRIL, ali mesmo por baixo da ponte do IC 19…
Sempre teu
"

Na rua, entre os carros estacionados...

...a família estava de novo reunida.
Os primos de França, o tio de Chelas, as tias velhas do Barreiro… O avô António saiu do lar de propósito para a ocasião, embora contrariado porque a enfermeira Rita hoje quase não trazia roupa por debaixo da bata. Até os irmãos Ferreira, desavindos há 22 anos por causa da Courela do Penouco que calhara em sortes ao mais velho, compartilhavam, com aparente à vontade, o mesmo metro quadrado de passeio.
O Necas fazia as figuras do costume, contava anedotas, lembrava histórias de bebedeiras passadas. Contou pela vigésima sexta vez a história daquela ocasião em que apanhou a tia Benvinda de cuecas em baixo na despensa com o Manél. Muitos já só se riam por simpatia. Outros continuavam – não se sabe bem como – a achar piada ao relato.
De repente todos se calaram.
A tia Benvinda saíra de casa e estava a olhar para eles... a "medi-los" a todos… a ver o que traziam vestido, a ver de quem poderia dizer que estava esguedelhado, a ver qual era a sobrinha que desta vez poderia chamar esgroviada, a tentar medir o teor de alcoolémia do Necas só pelo olhar..
Subitamente aproximou-se! Pegou no avô António pelo braço e levou-o para dentro.
“Vá… deixe-se lá de coisas e venha cá dar um último beijinho à sua mulher, que vão fechar a urna”
São sempre animados os velórios da família Martins.

(publicado originalmente a 13/02/2008)