segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Cartas do Baú

"Minha Querida,
Mais um dia sem ti na nossa aldeia.
Sem a tua presença esta vida de stress é muito mais difícil de aguentar.
Hoje o dia foi outra vez terrível.
Logo ao sair de casa, o Gastão, o burro daquele asno do Ti Jorge, estava mais uma vez a trancar-me o carro. Foram precisos dez minutos a puxar pela albarda para o conseguir desviar.
Ainda por cima, pisei uma bosta do Gastão e tive de voltar a casa para limpar os sapatos.
Com este atraso todo já não consegui evitar a hora de ponta dos rebanhos e estive mais de 10 minutos parado a ver as cabras da Délita passar. que continuam a olhar para mim com aquele olhar libidinoso de sempre, apesar de já me terem visto de mão dada contigo.
A Délita insiste que eu sou a cara chapada do antigo pastor, que terá o mesmo ar pateta que tu tanto vês em mim.
A vida na nossa aldeia está difícil: à noite, chegam a passar dois ou três mochos seguidos a piar. Aquele Noitibó não larga a antena da televisão não me deixando ver a novela da noite e os morcegos insistem em devorar a minha criação de melgas.
O pior é a luz. Aquela ofuscante luz nocturna das estrelas, que torna inúteis os candeeiros tão bonitos que compraste para a rua.
E a vizinha da frente???
Tanto dinheiro gasto com o alarme e agora aquela abantesma não o deixa usar, dando conta de tudo e de todos os que se aproximam, a qualquer hora do dia ou da noite.
Não que alguém nos quisesse assaltar, mas nem o Ti Alfredo Hortênsio, que passa sempre depois da meia noite a cambalear vindo do tasco da Mari’ Joana, ela deixa cambalear para o lado da nossa parede…
Meu amor, temos de pensar na nossa vida.
Começo a pensar que talvez prefira a calma da capital. Sei que temos o sonho de ter a nossa horta, semear batatas, plantar repolhos e couve naba…Mas… bem sabes que também podíamos fazer horta nas barreiras da CRIL, ali mesmo por baixo da ponte do IC 19…
Sempre teu
"