terça-feira, 8 de setembro de 2009

Silly Season

Não fosse a estranha conjugação de acontecimentos daquele dia e nunca teriam sido felizes.
Ele era doméstico. Ela caixeira viajante.
O que ele gostou da letra dela naquela nota de encomenda que esvoaçou de encontro a ele, num dia em que, contrariamente ao habitual, o catavento do vizinho Albertino estava virado de sul para norte.
Com as montanhas ali tão perto, parecia impossível que o vento soprasse nessa direcção. Mas naquele dia, e só naquele dia, soprou.
Ele não teve dúvidas. Havia qualquer coisa na forma como ela tomava nota dos sacos de linhas e nas agulhas encomendadas, que o fez apaixonar-se naquele preciso instante.
Não perdeu tempo. Tinha a certeza!
Por uma vez na vida ia ser impulsivo, verdadeiro e ia lutar sem barreiras pelo que queria.
Escreveu-lhe para o trabalho, aproveitando a morada que constava da nota de encomenda. Enviou-lhe a nota, depois de decalcada a papel químico. Não podia perder aquela recordação que era já o seu tesouro mais precioso, mas não queria que o seu amor perdesse as comissões da encomenda.
No dia seguinte, na volta do correio, chegava a resposta.
Também ela sentira qualquer coisa de muito poderoso na letra dele. Também ela sentiu, mesmo com a carta ainda fechada, que a sua vida ia mudar quando a abrisse.
Corresponderam-se a partir daí. Juras de amor eterno, constantes declarações…
Disseram um ao outro o que nunca tinham dito a ninguém. Estranha a química que os unia… Algo de tão forte que os fazia felizes mesmo sem nunca se verem…
Foram felizes, muito felizes durante os 50 anos em que se amaram por correspondência.
Fizeram planos para a vida em comum, para a casa que seria deles, para a família feliz que iam constituir – a mais feliz de todas…- e viram esses 50 anos passar a correr, com um sorriso permanentemente estampado nos seus rostos.
Guardaram-se um para o outro. Nunca amaram outra pessoa.
Quis o acaso do destino que se vissem pela primeira vez no lar. (Opto, conscientemente pela palavra vissem… que conhecer sempre se conheceram, mesmo antes do vento ter empurrado aquela nota de encomenda no encalço dele.)
Foi uma manhã de Agosto. Estavam envelhecidos pelos mais de 80 anos que cada um tinha, mas conservados pela felicidade com que viveram.
Olharam-se nos olhos, envolveram-se num abraço que pareceu durar uma eternidade. Não trocaram uma palavra. Subiram ao quarto, colocaram as dentaduras nos copos nas respectivas mesas de cabeceira. Deitaram-se na cama. Ela encostou a cabeça no peito dele. Ele acariciou-a longamente.
Adormeceram assim, com o sorriso de sempre, maior ainda, se tal fosse possível.
Eram a definição pura de felicidade.
Morreram nessa noite… felizes para sempre!


(publicado originalmente a 28 de Agosto de 2007)